Assim Falava Zaratustra


miguel westerberg

miguel westerberg

Aos trinta anos apartou-se Zaratustra da sua pátria e do lago da sua pátria, e foi-se até a montanha. Durante dez anos gozou por lá do seu espírito e da sua soledade sem se cansar. Variaram, porém, os seus sentimentos, e uma manhã, erguendo-se com a aurora, pôs-se em frente do sol e falou-lhe deste modo:

“Grande astro! Que seria da tua felicidade se te faltassem aqueles a quem iluminas? Faz dez anos que te abeiras da minha caverna, e, sem mim, sem a minha águia e a minha serpente, haver-te-ias cansado da tua luz e deste caminho.

Nós, porém, esperávamos-te todas as manhãs, tomávamos-te o supérfluo e bem dizíamos-te.

Pois bem: já estou tão enfastiado da minha sabedoria, como a abelha que acumulasse demasiado mel. Necessito mãos que se estendam para mim.

Quisera dar e repartir até que os sábios tornassem a gozar da sua loucura e os pobres da sua riqueza.

Por isso devo descer às profundidades, como tu pela noite, astro exuberante de riqueza quando transpões o mar para levar a tua luz ao mundo inferior.

Eu devo descer, como tu, segundo dizem os homens a quem me quero dirigir.

Abençoa-me, pois, olho afável, que podes ver sem inveja até uma felicidade demasiado grande!

Abençoa a taça que quer transbordar, para que dela manem as douradas águas, levando a todos os lábios o reflexo da tua alegria!

Olha! Esta taça quer de novo esvaziar-se, e Zaratustra quer tornar a ser homem”.

Assim principiou o caso de Zaratustra.

II

Zaratustra desceu sozinho das montanhas sem encontrar ninguém. Ao chegar aos bosques deparou-se-lhe de repente um velho de cabelos brancos que saíra da sua santa cabana para procurar raízes na selva. E o velho falou a Zaratustra desta maneira:

“Este viandante não me é desconhecido: passou por aqui há anos. Chamava-se Zaratustra, mas mudou.

Nesse tempo levava as suas cinzas para a montanha. Quererá levar hoje o seu fogo para os vales? Não terá medo do castigo que se reserva aos incendiários?

Sim; reconheço Zaratustra. O seu olhar, porém, e a sua boca não revelam nenhum enfado. Parece que se dirige para aqui como um bailarino!

Zaratustra mudou, Zaratustra tornou-se menino, Zaratustra está acordado. Que vais fazer agora entre os que dormem?

Como no mar vivias, no isolamento, e o mar te levava. Desgraçado! Queres saltar em terra? Desgraçado! Queres tornar a arrastar tu mesmo o teu corpo?”

Zaratustra respondeu: “Amo os homens”.

“Pois por que – disse o santo – vim eu para a solidão? Não foi por amar demasiadamente os homens?

Agora, amo a Deus; não amo os homens.

O homem é, para mim, coisa sobremaneira incompleta. O amor pelo homem matar-me-ia”.

Zaratustra respondeu: “Falei de amor! Trago uma dádiva aos homens”.

“Nada lhes dês – disse o santo. – Pelo contrário, tira-lhes qualquer coisa e eles logo te ajudarão a levá-la. Nada lhes convirá melhor, de que quanto a ti te convenha.

E se queres dar não lhes dês mais do que uma esmola, e ainda assim espera que tá peçam”.

“Não – respondeu Zaratustra; – eu não dou esmolas. Não sou bastante pobre para isso”.

O santo pôs-se a rir de Zaratustra e falou assim: “Então vê lá como te arranjas para te aceitarem os tesouros. Eles desconfiam dos solitários e não acreditam que tenhamos força para dar.

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Autor: Friedrich Nietzsche

Tradução: José Mendes de Souza

Fonte: Ebooks Brasil

~ por miguelwest em 28 de Agosto de 2009.

2 Respostas to “Assim Falava Zaratustra”

  1. deu vontade de ler o resto deste livro… parabens amigo

  2. meu pai é filosofo do povo,, amo te muito..bjss

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